Você já reparou como existe uma geração de pessoas completamente ultrassensíveis a qualquer grau de desconforto? Basta uma ameaça imaginaria de sofrimento que imediatamente correm, escapam, negam ou se antecipam como ninjas para que nenhuma sombra de mal-estar as atinja.
Essa fobia ao sofrimento parece estar se tornando um mal generalizado, perpetuando uma correnteza de pessoas reclamonas e insatisfeitas. Mas o pior cenário parece atingir aquelas que estão sempre se antecipando a inúmeros problemas que nunca vão se concretizar.
Você pode identificar alguns comportamento tipicamente sofrimentofóbicos:
- Bloqueio emocional para amar para não ter que se desiludir
- Quando a pessoa por medo de tomar um fora dá um pé na bunda antes
- Marca cinco compromissos no mesmo horário para não ter agenda vazia e sofrer de solidão
- Come o tempo todo por que não pode sentir um pingo de fome
- Busca companhia constante (até as ruins) desde que não fique um minuto sozinha
- Não muda nem um milímetro sua rotina para não lidar com surpresas ou contratempos
- Está sempre se justificando para nunca lidar com críticas
- Posta centenas de fotos para ser curtida e achar que é amada
- Não posta nenhuma foto para não comprovar sua pouca popularidade
- Por medo de se desiludir não deseja ou sonha mais nada
- Não criar vínculos significativos para não se decepcionar
- Acumulação de pertences pessoais para nunca passar por privações futuras
- Descuido ou cuidado excessivo com a saúde para não lidar com o adoecimento ou envelhecimento
- Vida apática para não se aterrorizar com a perspectiva da morte
- Vida acelerada e super agitada pelo mesmo motivo acima
A lista é quase infinita nas pequenas variações de intensidade e frequência. O ponto de todas elas é obter a maior quantidade de controle sobre cada evento, pessoa ou variável ao seu redor para que nada saia do script previsto.
Essa vida automática e esteriotopada que pode se mascarar de descolada ou coxinha causa um estado constante de alerta, ansiedade e vazio pessoal. É só reparar como todos estão com o corpo tenso, a fala apressada e o olhar apreensivo. Parece haver uma escola informal que treina as pessoas em jogos sociais para “evitar” o sofrimento: “Ligo agora ou deixo o fulano sentir minha falta?”, “ele não me merece, vou dar o troco”, “beltrana pagou, quem manda se meter comigo”, “não tenho problema com a bebida, sigo minha vida louca!”.
O efeito paradoxal é uma vida emocional pobre de intimidade e desidratada de emoções verdadeiras. Não é raro notar sempre um ar combativo nas conversas pessoais ou comentários online, para sempre haver uma ameaça de afronta, ofensa ou inveja potencial.
Outra consequência é exatamente criar mais sofrimento na tentativa de evitá-lo. Nunca se viu uma quantidade enorme de pessoas deprimidas, ansiosas, com problemas conjugais, profissionais e sexuais exatamente por evitar a todo custo sofrer.
Por outro lado as atitudes que poderiam abrir espaço para a cessação do sofrimento são pouco valorizadas ou cultivadas numa sociedade que tem repúdio por práticas que não tragam alívio imediato. Relaxamento, desapego, liberdade, generosidade autêntica e sabedoria são palavras que ficam empoeiradas nas prateleiras do coração humano. Segundo aqueles que fogem do sofrimento imediatista elas trazem resultados só depois de muito esforço e tempo.
Para se libertar do sofrimento é preciso admitir que ele venha desajustar um pouco do seu excesso de certezas e colocar em xeque seu orgulho pessoal. Se admitisse cair você cairia menos, se aceitasse perder você perderia menos, se acolhesse a desilusão se desiludiria com menos frequência. O luto não é uma maldição, mas um período necessário de recomposição psicológica.
É pelo caminho da abertura, da entrega, da vulnerabilidade que o sofrimento pode bater mais raramente na sua vida. Afinal, quem se fecha para o sofrimento é aquele que sofre por mais tempo e quem flui nos altos e baixos da vida sofre, mas se renova.
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